Tribunal de Justiça de São Paulo: impenhorabilidade absoluta só para quem recebe até 5 salários mínimos (foto: divulgação)
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu que não se pode penhorar nenhuma parcela da renda de quem recebe até cinco salários mínimos. Já para a faixa entre cinco e 50 salários mínimos, a corte paulista estabeleceu que a penhora depende do exame das particularidades do caso. Advogados elogiam o esforço do Poder Judiciário para relativizar a impenhorabilidade salarial, embora não haja unanimidade quanto ao grau de objetividade dos critérios adotados pelo TJ-SP.
De acordo com o Código de Processo Civil, são impenhoráveis as verbas alimentares — entre as quais estão os salários e outras quantias recebidas para sustento do devedor e de sua família —, exceto para o pagamento de pensão alimentícia. Por outro lado, é permitida a penhora da renda de quem ganha mais de 50 salários mínimos. Em abril deste ano, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça autorizou a penhora salarial em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que garantida a subsistência do devedor (EREsp 1.874.222). Os ministros, porém, não definiram valores. Em seguida, a 34ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP estipulou seus próprios critérios, mais específicos.
Quanto mais objetivo, melhor – Segundo o advogado Hélio João Pepe de Moraes, o STJ passou a entender que, a depender do caso, a impenhorabilidade do salário permitiria um gasto e um endividamento maiores para quem ganha mais, e com imunidade. “Agora, os tribunais locais estão precisando lidar com as subjetividades dos casos, entre o texto que impõe a impenhorabilidade e os casos concretos, para não ferir o sistema ético”. Como a penhora tem característica “invasiva ou restritiva do direito do devedor”, a regra, nesses casos, “é que a interpretação também seja restritiva”. Por isso, Moraes aponta uma tendência de que a penhora “se imponha (como restrição patrimonial) a quem ganhe mais com melhor efeito do que sobre quem ganhe menos”. Na sua visão, o ideal seria que o Poder Legislativo agisse — seja para confirmar a impenhorabilidade absoluta, seja para estabelecer critérios de penhorabilidade. Enquanto isso não ocorre, o advogado vê como uma boa solução temporária “que os tribunais comecem a apresentar parâmetros”. No caso de São Paulo, ele afirma que os critérios “aparentam razoabilidade”.
Renata Cavalcante de Oliveira, também advogada, não concorda com o critério estabelecido pelo TJ-SP, pois entende que o correto seria a análise caso a caso, conforme o tipo e o valor da dívida. Mesmo assim, ela acredita que o estabelecimento de critérios objetivos pelos tribunais garante maior segurança jurídica e facilita o trabalho do advogado representante do credor. Renata ressalta que tais critérios podem, por exemplo, impedir credores de obter os valores de dívidas baixas. Mas, a partir de tal definição, os advogados e as partes já conseguem, ao menos, prever se conseguirão uma penhora. Ou seja, decisões como a do TJ-SP são “um norte sobre como a corte vai se posicionar”. Isso é importante porque situações muito semelhantes atualmente geram decisões de primeiro grau completamente distintas sobre penhora salarial nas diferentes comarcas do estado. “Via de regra, se a pessoa trabalha, é com o salário que ela paga a dívida. Mas as pessoas acabam criando artifícios para não pagar seus débitos”, destaca a advogada. “O credor precisa receber de alguma forma”.
A definição de critérios objetivos para mitigação da regra do CPC é celebrada por Heloína Miranda. “Na prática, os critérios objetivos visam a orientar o julgador e facilitar a tomada de decisão sobre a penhora, ainda que não retirem a necessidade de análise das peculiaridades do caso concreto”. Segundo ela, o TJ-SP buscou “garantir efetividade à satisfação do crédito”, pois “os parâmetros para a penhora foram fixados de forma a se aproximar da realidade econômica e salarial da sociedade brasileira, sopesando a média dos gastos e dos salários dos brasileiros”. Apesar do avanço e das boas intenções do Judiciário, Heloína lembra que tais critérios vão de encontro à legislação. Assim, o correto seria alterá-la, por meio da aprovação de uma lei ordinária no Congresso. Enquanto isso não ocorre, poderá haver um aumento no número de recursos que questionam penhoras salariais e apontam violação ao CPC.
Quanto mais objetivo, pior – Por outro lado, Rudi Alberto Lehmann Júnior, especialista em Processo Civil, alinha-se à interpretação da Corte Especial do STJ. Para ele, o critério do CPC (impenhorabilidade até 50 salários mínimos) é “rígido e impreciso”. Por isso, é correto permitir, de forma excepcional, a penhora “daquilo que for excedente”, conforme o caso concreto, desde que respeitados o sustento e a dignidade do devedor. Na opinião de Lehmann Júnior, não há necessidade de criação de lei, pois a questão “já é bem tratada pelas normas infraconstitucionais, que vêm sendo bem interpretadas pelo Judiciário a cada caso concreto”.
Tiago Asfor Rocha Lima, doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP), entende que não é possível estipular critérios objetivos capazes de contemplar todas as possibilidades de situações levadas ao Judiciário. Ou seja, o critério estabelecido pelo TJ-SP não necessariamente é o mais correto. Em alguns casos, a viabilidade da penhora depende, por exemplo, do tamanho da família do devedor e do local de residência — pois o custo de vida e os valores mínimos para subsistência variam conforme a região do país. Segundo Lima, o juiz deve analisar as circunstâncias do caso concreto. “Sempre vai existir uma margem de subjetividade na aplicação da regra. Daí porque me parece que tentar fixar novos ou muitos critérios pode engessar essa avaliação.” Ele não vê necessidade de reforma na legislação e confia na apreciação feita pelo Judiciário: “Me parece que a jurisprudência está em um caminho certo no que diz respeito à tentativa de se estabelecer critérios de acordo com cada região e cada situação”.
Para Rodrigo Forlani Lopes, especialista em Direito Processual Civil, “o grande problema de se criar critérios mais objetivos para permitir a penhora de salários ou outros vencimentos é que não há garantia alguma de que as decisões judiciais serão mais justas nestes casos”. Segundo ele, uma única pessoa com renda de dez salários mínimos, por exemplo, pode receber o mesmo tratamento que uma família de quatro ou cinco pessoas com a mesma renda mensal. “A relativização de garantias — especialmente daquelas que buscam proteger a dignidade da pessoa humana — deve ocorrer por meio da análise casuística”, completa Maiara Henriques Pires. Por isso, na sua opinião, não há necessidade de reforma na legislação atual.