O Senado dos EUA aprovou, no dia 29 de novembro, o projeto de lei Respect for Marriage Act, que irá “sacramentar a igualdade matrimonial em uma lei federal”. Ou seja, vai garantir proteções ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e ao casamento inter-racial — apesar de ambos já terem sido legalizados pela Suprema Corte. O casamento gay foi legalizado pela Suprema Corte, em 2015 (em Obergefell v. Hodges). E o casamento inter-racial, em 1967 (em Loving v. Virginia). Mas há uma ameaça de a atual supermaioria conservadora da corte reverter a decisão que legalizou o casamento gay, como reverteu a decisão de quase 50 anos que legalizou o aborto em todo o país.
Na decisão de junho que reverteu o precedente Roe v. Wade, o ministro Clarence Thomas escreveu, em voto concorrente, que já está na hora de a corte reexaminar outros precedentes, tais como o da igualdade matrimonial, o de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo (Lawrence v. Texas) e o direito de comprar e usar contraceptivos sem restrição governamental (Griswold v. Connecticut). “No futuro, devemos reconsiderar todos esses procedentes baseados no devido processo substantivo, porque todas essas decisões são demonstradamente errôneas. Temos o dever de corrigir os erros estabelecidos por esses precedentes”, ele escreveu. Thomas, que é negro e casado com uma mulher branca, não mencionou o casamento inter-racial.
Por isso, a “Lei de Respeito ao Casamento” é uma medida legislativa preventiva: caso a Suprema Corte reverta o precedente da igualdade matrimonial, o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo continuará a existir — isto é, em parte. Ao reverter a decisão que legalizou o aborto em todo o país, a Suprema Corte transferiu para os estados a responsabilidade de legislar sobre esse direito. Quase que imediatamente, 13 estados baniram o aborto em seu território. Em outros, o direito está em disputa na justiça, para bani-lo ou, pelo menos, restringi-lo.
Se o precedente da igualdade matrimonial for revogado, a responsabilidade de legalizar ou proibir o casamento gay também recairá nos estados. No momento, 35 estados republicanos têm leis ou emendas constitucionais que banem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, engatilhadas para disparar se Obergefell for revertido, de acordo com levantamento do Movement Advancement Project. Curiosamente, o PL Respect for Marriage Act — aprovado por 61 votos a 36, com 12 senadores republicanos votando a favor, junto com os democratas, e três senadores se abstendo — não irá resultar em uma lei que legaliza o casamento gay em todo o país.
Para conseguir votos republicanos, necessários para aprovar o PL, os partidos chegaram a um acordo para dar à medida legislativa um enfoque diferente: a lei não irá forçar os estados a emitir licenças de casamento a casais do mesmo sexo; mas vai obrigá-los a aceitar casamentos gays celebrados em outros estados, onde são válidos. A nova lei também irá repelir a “Lei de Defesa do Casamento” (Defense of Marriage Act), de 1996, que define o casamento como uma união entre um homem e uma mulher e permite aos estados não reconhecer o casamento gay realizado em outros estados. Essa lei continua a existir, apesar da decisão de 2015 da Suprema Corte que garantiu aos casais do mesmo sexo o direito fundamental ao casamento, segundo o Washington Post e o The Hill.
Aceno aos grupos religiosos – Em consequência de outras negociações bipartidárias, o PL esclarece que a nova lei não irá autorizar o governo federal a reconhecer casamentos bígamos; e, para aplacar os ânimos religiosos, estabelece que organizações religiosas sem fins lucrativos não serão obrigadas a fornecer “quaisquer serviços, instalações ou produtos para a solenização ou celebração de um casamento”. O grupo bipartidário de senadores definiu proteções às liberdades religiosas, da mesma maneira que protegeu casais gays e inter-raciais. Isso levou líderes e grupos religiosos, incluindo a Igreja Mórmon (Church of Jesus Christ of Latter-day Saints) a declarar apoio ao projeto de lei.
Agora, o PL volta à Câmara dos Deputados para votação, onde já havia sido aprovado anteriormente, porque sofreu alterações no Senado. Mas deverá ser aprovado novamente na Câmara, onde os democratas têm maioria, e sancionado pelo presidente Joe Biden.