Problema social: cracolândia se espalha pelo centro de São Paulo, e Guarda Civil Metropolitana é acusada de excessos e abuso de poder (foto: reprodução)
A atuação da Guarda Civil Metropolitana deve estar dentro dos limites legais, principalmente constitucionais, sem que haja excessos que resultem em desvio de finalidade ou abuso de poder. Com base nesse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar determinando que a Prefeitura de São Paulo atue para coibir excessos da Guarda Civil Metropolitana em ações de combate à criminalidade na região da “cracolândia”, no centro da cidade.
A ação foi proposta pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública com objetivo de limitar a atuação da GCM na “cracolândia”. Segundo os órgãos, a GCM estaria desempenhando funções próprias das polícias, configurando desvio de finalidade e abuso de poder. Além disso, as ações da Guarda teriam violado direitos fundamentais dos usuários de drogas e das pessoas em situação de rua que ocupam a região.
Foram feitos três pedidos liminares. Primeiro, para que as operações na “cracolândia” fossem precedidas de estudo de impacto e de efetividade das medidas. Segundo, para proibir ações da GCM de apoio à atividade de zeladoria urbana fora do horário permitido em normas administrativas. E, por fim, para impedir qualquer operação da Guarda de natureza policial, “com arremesso indiscriminado de munições e expulsão desmotivada de pessoas” das ruas.
Todos os pedidos haviam sido negados pelo magistrado de primeira instância. O TJ-SP, por sua vez, acolheu em parte o recurso do MP e da Defensoria Pública, apenas com relação ao terceiro pedido, isto é, para coibir excessos praticados pela Guarda na região da “cracolândia”. A decisão se deu por unanimidade, sob relatoria da desembargadora Flora Maria Nesi Tossi Silva. Sobre o primeiro pleito dos autores, a magistrada disse que a legislação brasileira não impõe ao poder público a apresentação prévia de estudo de impacto de operações de segurança urbana, não sendo possível, de forma liminar, determinar ao município de São Paulo a realização de estudos prévios de impacto das ações na “cracolândia”. “A questão da ‘cracolândia’ é antiga e de enorme complexidade e, neste passo, a possibilidade e necessidade de se determinar que o município apresente estudo ou evidência de que as ações ali realizadas podem ou não contribuir com os fins que dizem querer atingir (eliminação ou redução do tráfico da região), necessita de maior análise dos elementos dos autos, com amplo contraditório e defesa”, afirmou Silva.
A relatora também considerou que a realização de estudo prévio de impacto inviabilizaria a atuação da GCM em casos urgentes. Com relação ao segundo pedido, Silva afirmou que a atividade de zeladoria urbana realizada com o auxílio da Guarda Civil Metropolitana não deve ser feita somente em horários específicos. Tal determinação, explicou, violaria o princípio da legalidade.
Atuação da GCM na ‘cracolândia’ – Quanto à prática de ações típicas de polícia repressiva pela GCM, o município alegou que uma liminar concedida em outra ação civil pública forçou a redução de operações da Polícia Militar na região, o que fez com que a Guarda também replanejasse sua atuação, “tendo em vista o aumento do número de prisões em flagrante por furto, roubo, porte ou tráfico de drogas, captura de foragidos da justiça dentre outros”. Neste cenário, a desembargadora pontuou que a atuação da GCM na “cracolândia” como força de segurança pública, em princípio, é possível, desde que observados os limites constitucionais. Neste momento processual, ela também afirmou não ser possível concluir pela existência ou não do alegado desvio de função da Guarda Civil Metropolitana, como alegado na inicial.
A magistrada analisou vídeos anexados pelo Ministério Público com abordagens efetuadas pela GCM na “cracolândia”, e verificou indícios de excessos em algumas das autuações. Em um dos casos, segundo Silva, mesmo após a contenção da cidadã por meio de spray de pimenta, um guarda desfere um chute quando ela já estava de costas e não demonstrava qualquer ameaça à integridade do agente. “Independentemente dos vídeos indicados pelos agravantes, a ocorrência de excessos na atuação da GCM estão, em princípio, evidenciados na própria contestação da municipalidade, ao sustentar que nos períodos de 2017 até data da contestação, a Guarda computou 88 processos administrativos disciplinares instaurados contra guardas civis oriundos na região da nova luz, número expressivo, ainda que se considere que houve somente seis aplicações de penalidade e 68 arquivamentos”, disse.
Segundo a relatora, excessos cometidos pelos guardas devem ser devidamente apurados, com a instauração de procedimentos administrativos e criminais e aplicação das penalidades pertinentes, até mesmo porque os excessos (seja por violência ou abuso de autoridade) praticados por qualquer agente público em um Estado Democrático de Direito merecem a devida atenção e penalização, caso comprovados. “Trata-se de situação complexa, que demanda ampla instrução probatória, a ser realizada sob o crivo do contraditório, para que seja decidida oportunamente, após cognição exauriente, o que verifico estar sendo oportunizado durante o prosseguimento dos autos de origem”, concluiu Silva ao determinar que o município coíba os excessos praticados pela GCM, atuando não somente de forma repressiva (com a instauração de PADs), mas também de forma preventiva.