O quociente de inteligência (QI) médio da população mundial, que apresentava tendência de crescimento desde o pós-guerra, encolheu nos últimos vinte anos em países mais desenvolvidos. É o que constatou o escritor Christophe Clavé num pequeno texto publicado originalmente no jornal italiano Italiaoggi.  Confira, abaixo, a íntegra do artigo, extraída do portal Das Culturas (20/12/2020).

 

Wassily Kandinsky

 


O QI médio da população mundial diminuiu

Christophe Clavé

 

O QI médio da população mundial, que sempre aumentou desde o pós-guerra até o final dos anos 1990, diminuiu nos últimos vinte anos… É a inversão do efeito Flynn. Parece que o nível de inteligência medido pelos testes diminui nos países mais desenvolvidos. Há muitas causas para esse fenômeno.

Uma delas pode ser o empobrecimento da linguagem. Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo.

A simplificação dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos de “golpes mortais” na precisão e na variedade de expressão. Apenas um exemplo: eliminar a palavra “senhorita” (ou “rapariga”), agora obsoleta, não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias. Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento.

Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras. Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece. A história está cheia de exemplos, e muitos livros (Georges Orwell – 1984; Ray Bradbury – Fahrenheit 451) contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras.

Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras. Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?

Caros pais e professores: façamos com que nossos filhos, nossos alunos falem, leiam e escrevam. Ensinar e praticar o idioma em suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade. Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem de seus “defeitos”, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana.

Não há liberdade sem necessidade. Não há beleza sem o pensamento da beleza.

 


Christophe Clavé é escritor.