Liberdade tolhida: regime militar instaurado em 1964 estabeleceu regras de exceção em todo o País (foto: reprodução / El País)
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes aceitou, no dia 29 de março, o ingresso, como amicus curiae, de oito entidades na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 799, que questiona dispositivos da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983). Mendes, que é o relator do caso, admitiu as seguintes instituições no processo: Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia; Associação Advogadas e Advogados Públicos pela Democracia; Associação de Juízes pela Democracia; Associação Brasileira de Imprensa; Clínica Interamericana de Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Instituto Baiano de Direito Processual Penal; Livres; e Legal Grounds for Privacy Design.
Porém, o ministro negou o pedido de ingresso na ação do advogado Fábio de Oliveira Ribeiro. Isso porque ele não comprovou ter notória especialização no tema em discussão. Irapuã Santana, advogado do movimento suprapartidário Livres, comemorou a decisão. “Esperamos poder contribuir com o debate e ajudar a moldar a Lei de Segurança Nacional aos parâmetros constitucionais”.
Liberdade de expressão – Proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), a ADPF 799 questiona artigos da Lei de Segurança Nacional. Além disso, PTB, PT, Psol, PcdoB e PSDB moveram ações contra a norma. No último dia 22 de março, um grupo de juristas enviou memoriais ao ministro Gilmar Mendes, relator da matéria, em que apontam que alguns dispositivos da LSN — editada ainda na ditadura militar — afrontam diretamente o direito à liberdade de expressão, particularmente os artigos 22 e 26. O documento é assinado por Adriano Teixeira, Alaor Leite, Alexandre Wunderlich, Maurício de Oliveira Campos Júnior, Miguel Reale Júnior, Oscar Vilhena Vieira e Theodomiro Dias Neto.
O debate jurídico em torno da LSN ganhou corpo desde o começo do governo do presidente Jair Bolsonaro. Conforme levantamento da Folha de S.Paulo, em 2018 foram abertos 18 inquéritos com base nessa lei. Em 2019, o número saltou para 26, e em 2020 chegou a 51 procedimentos. No dia 19 de março, o deputado federal José Nobre Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara, enviou ao Supremo Tribunal uma notícia-crime contra o ministro da Justiça, André Mendonça, por crime de responsabilidade, prevaricação e advocacia administrativa. Para o parlamentar, Mendonça está utilizando a Lei de Segurança Nacional, editada durante a ditadura militar, para intimidar críticos do presidente Jair Bolsonaro.
O último caso notório de uso da LSN envolveu o youtuber Felipe Neto, que foi alvo de investigação por violar a lei a pedido do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, por ele ter chamado o pai de “genocida”. O caso foi arquivado por decisão da juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. O caso, entretanto, levou o influenciador a criar o “Cala a Boca Já Morreu”. A ideia do projeto é oferecer defesa gratuita a cidadãos que criticarem o governo, o presidente ou qualquer autoridade pública. A pessoa que não possua advogado constituído pode contar com o serviço, desde que não esteja protestando contra a Constituição, os direitos humanos ou a democracia.
A Federação Nacional dos Advogados divulgou nota pública se posicionando contra abusos no uso da LSN. “Não se trata de confundir insultos com a livre expressão do pensamento garantida constitucionalmente, mas além da maior exposição das pessoas públicas, as circunstâncias e a própria conduta desabrida adotada pelo presidente autorizam o acirramento das críticas, sem que isto possa ser tipificado como crime e, menos ainda, sequer sugerir o enquadramento pela LSN”, diz trecho da nota.