Destruição: orçamento do governo para a política indígena caiu para R$ 46 milhões

 

Quem quiser saber a intenção do governo sobre qualquer política pública é só pegar sua proposta de lei orçamentária e ver o que ele destina para esta política pública.

Se você quer saber quais são as intenções do governo Bolsonaro sobre a política indigenista do Brasil, não precisa nem se recordar que ele, na campanha, garantiu que em seu governo não haverá nem um centímetro quadrado de terra indígena demarcada — missão que a Constituição incumbiu ao governo federal de fazer desde 1988. É só ver a Proposta de Lei Orçamentária Anual e o Plano Plurianual que ele mandou ao Congresso para perceber que a intenção do governo é extinguir pela asfixia orçamentária toda política indígena que o país pratica há mais de 30 anos.

A Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Funai, fez um estudo desses dois instrumentos da política orçamentária que o governo mandou para o Congresso, no tocante à política indigenista, e a conclusão é alarmante: o governo quer exterminar a política pública para os povos indígenas que está sendo aplicada e desenvolvida nos últimos 30 anos.  Terminou no dia 24 de outubro o prazo para apresentação de emendas às propostas.

Para começo de conversa, os recursos destinados aos programas de política indígena afetos diretamente à Funai baixaram de R$ 78 milhões no orçamento de 2019 para R$ 46 milhões na Proposta de LOA de 2020. “Como se nota, propõe-se um corte nominal (sem considerar a inflação do período) que supera os 40% no conjunto de ações finalísticas da Funai”, diz o estudo dos servidores da Funai.

Além da redução do orçamento, prevista na PLOA, a proposta de Planejamento Plurianual contém outra maldade: torna invisível uma política indígena específica, diluindo-a em programa genéricos de políticas de direitos humanos e promoção social. Faz isso ao deslocar as atividades da Funai do Programa 2065 – Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas para o Programa 5034 – “Proteção à vida, fortalecimento da família, promoção e defesa dos direitos humanos para todos”.

De quebra, a banalização da diversidade indígena produz outro desvio mal intencionado do governo: os recursos destinados à execução da política indígena estão vinculados ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e não ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao qual está vinculada institucionalmente a Funai.

Ou seja, o governo está fazendo através da Lei Orçamentária o que não conseguiu fazer com a Medida Provisória 870, que ele editou logo no início de seu mandato e que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal: transferir a Funai do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da pastora Damares.

Ao destrinchar o emaranhado de programas, diretrizes, objetivos e metas que permeiam a proposta de PPA, os técnicos da INA concluem: “Trata-se, como se vê, de textos que não revelam sequer tentativa de compatibilização com o direito maior que a Constituição e a legislação infraconstitucional brasileiras asseguram aos indígenas: o direito à diferença, isto é, a manterem sua organização social, língua, costumes, território e tudo o se lhes afigura como condição para se reproduzirem física e culturalmente como coletividades diferenciadas no seio da sociedade brasileira”.

Além de mostrar que “parte das ações orçamentárias da Funai para o ano de 2020 está registrada em vinculação não ao MJSP mas ao MMFDH”, o estudo aponta que outra parte de recursos da Funai foi parar no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), como o governo já tentara fazer por meio da mesma Medida Provisória 870, declarada inconstitucional pelo STF. Mais grave: “Parte dos recursos do orçamento da Funai foi efetivamente destinada ao Mapa, o qual, persistida a lógica da MP 870, teria absorvido as competência da Fundação nas áreas de demarcação de terras e em processos de licenciamento ambiental”.

A nota termina com um apelo: “É imprescindível, portanto, proceder não apenas a uma reinserção qualitativa da Funai no planejamento de governo para o próximo quadriênio (PPA), por meio de um Programa específico, mas também uma significativa recomposição quantitativa do orçamento autorizado para a entidade no próximo ano”.

Tal como acontece com a política ambiental, a política pública para os povos indígenas é uma pedra no sapato do governo. Assim como para o governo fosse melhor que não existisse “essa porra de árvore”, seria muito bom que não tivesse índio nem Funai, o órgão do Estado que, bem ou mal, há 30 anos garante a sobrevivência dos indígenas no Brasil.

Em sua primeira iniciativa legislativa após assumir o governo, Bolsonaro tentou liquidar a Funai. Na MP 870, ele tirava a Fundação do Ministério da Justiça, onde sempre esteve desde sua criação, e a jogava na geleia geral do MMFDH. Também tirava dela a sua competência para participar dos processos de demarcação de terras indígenas e do licenciamento ambiental dessas terras. Tudo isso que voltou à baila nas propostas de Planejamento Plurianual e de Lei Orçamentária Anual.