Laurita Vaz: ministra do STJ negou habeas corpus impetrado por advogado de São Paulo que apontava ilegalidade em medida adotada pelo governo de São Paulo

 

A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz indeferiu um pedido para que fosse paralisado o Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi), utilizado pelo governo  de São Paulo para observação do deslocamento de pessoas durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Segundo a decisão,o  habeas corpus (coletivo) não é instrumento de controle abstrato da validade das normas.

O Simi, lançado em abril pelo governo de São Paulo, utiliza dados informados por operadoras de celular. Com base nessas informações, o poder público consegue calcular os percentuais de isolamento social em todo o Estado, apontar tendências e planejar medidas durante a pandemia. “Ainda que sejam relevantes as questões relativas ao direito de privacidade que podem ser levantadas em razão do compartilhamento de informações obtidas pelas empresas a partir da localização de aparelhos de telefonia celular, não é na via eleita – de rito célere e de cognição sumária – que elas podem ser debatidas”, disse a ministra.

Atuando em causa própria, mas pretendendo também que o habeas corpus fosse concedido em favor de todos os moradores de São Paulo, um advogado alegou que o governador João Dória adotou medida “ilegal e ditatorial” ao implementar o sistema de monitoramento. Para o advogado, a informação de que o governo não teria acesso aos dados individuais dos usuários de celular é falsa, já que cada telefone é monitorado separadamente – o que, segundo ele, violaria o direito ao sigilo telefônico. Além disso, o advogado sustentou que a Lei nº 12.965/2014, que regula o uso da internet no Brasil, assegura, em seu artigo 7º, o direito à privacidade e à inviolabilidade das comunicações.

Na Constituição – Laurita Vaz ressaltou que o instituto do habeas corpus está previsto na Constituição para preservar o direito de ir e vir, e que o advogado não esclareceu de que maneira o Simi poderia influenciar diretamente na liberdade de locomoção dos habitantes de São Paulo. “Pelos elementos dos autos, não há sequer como inferir de que forma os dados de georreferenciamento compartilhados eventualmente orientariam as escolhas políticas que competem ao governador”, afirmou a ministra. Ela mencionou recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 672) em que se reconheceu a competência dos chefes de Executivo estaduais para adotar medidas como a imposição de distanciamento social e restrição de circulação de pessoas. Para a ministra, o habeas corpus impugnou mera possibilidade de constrangimento, sem apresentar elementos categóricos sobre a suposta ameaça ao direito constitucional de ir e vir. “Não foram apontados quaisquer atos objetivos que possam causar, direta ou indiretamente, perigo ou restrição à liberdade de locomoção no caso – o que inviabiliza, por si só, o manejo do remédio heróico”, concluiu.

Ameaça iminente – Para a relatora Laurita Vaz, a ameaça de constrangimento à liberdade prevista no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, deve ser iminente e precisa ser demonstrada de forma objetiva e plausível, e não de maneira hipotética – como no caso dos autos. Além disso, ela enfatizou que tanto o governo estadual quanto as operadoras de celular afirmaram que o sistema não permite a individualização dos dados dos usuários. Exatamente por isso, a ministra considerou incabível o ajuizamento do habeas corpus coletivo, já que não é possível identificar as pessoas potencialmente atingidas. E observou que o ministro Jorge Mussi indeferiu habeas corpus que buscava a concessão de salvo-conduto para que os cidadãos do Rio de Janeiro transitassem livremente pelas ruas e praias. Na decisão, Mussi também entendeu ser imprescindível a individualização dos eventuais beneficiários do habeas corpus. “Ou seja, requer-se a invalidação da medida governamental que instituiu o acordo de compartilhamento de dados de georreferenciamento. Todavia, os remédios constitucionais – entre os quais o habeas corpus – não constituem via processual adequada para a impugnação de atos em tese. O impetrante não tem legitimidade para requerer o controle abstrato de validade de normas”.