Fonte: Revista Consultor Jurídico – 30/1/18.

 

Levantamento feito pela revista Consultor Jurídico, divulgado na terça-feira (30/1), procurou identificar a base jurídica da condenação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no dia 24 de janeiro. A ampliação da pena que havia sido aplicada ao ex-presidente – de nove anos e meio de prisão para doze anos e um mês –, conforme os votos do relator, João Pedro Gebran Neto, e do revisor, Leandro Paulsen, da 8ª Turma, abre precedentes para a definição de outros casos sobre corrupção e lavagem de dinheiro.

Valor em espécie – O acórdão sugere, por exemplo, que a lavagem não precisa envolver valor em espécie. De acordo com a Lei nº 9.613/98, a prática inclui ocultar “bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. A 8ª Turma do TRT-4 ratificou o entendimento do juiz federal Sergio Moro, segundo quem Lula é dono de um triplex sediado em Guarujá (SP). O imóvel teria sido dado em troca de ajuda à Construtora OAS em contratos da Petrobras.

 

A seguir, algumas das fundamentações extraídas do julgamento.

 

PRODUTO DO CRIME

A alegação de que rastrear o caminho do dinheiro é essencial à prova da lavagem […] é uma petição de princípio. A lavagem de dinheiro, no caso, não é propriamente de dinheiro, mas da vantagem indevida, consistente no próprio triplex e nas suas benfeitorias, o que se fez de modo simplório, numa única fase, mantendo-se-o em nome da OAS, que também contratou a reforma e os móveis. Não houve circulação, transferência, mas, justamente, imobilidade, omissão, e nisso consistiu a ocultação do produto do crime de corrupção.
Leandro Paulsen, revisor

AUMENTO DE PENA

Regra geral, a culpabilidade é que deve guiar a dosimetria da pena […] No caso em exame, trata-se de ex-presidente da República que recebeu valores em decorrência da função que exercia e do esquema de corrupção que se instaurou durante o exercício do mandato, com o qual se tornara tolerante e beneficiário. É de lembrar que a eleição de um mandatário, em particular o presidente da República, traz consigo a esperança de uma população em um melhor projeto de vida. Críticas merecem, portanto, todos aqueles que praticam atos destinados a trair os ideais republicanos.
João Pedro Gebran Neto, relator

POSSE DO TRIPLEX

A entrega das chaves não implica outorga de propriedade […] Ninguém aprova projeto para mudanças estruturais em um apartamento que não é seu, não se manda quebrar paredes, instalar elevador, mudar a posição da piscina senão no seu próprio bem e para o seu próprio uso. O mesmo se diga quanto à aprovação de projetos de móveis sob medida e solicitação de instalação, inclusive, com cobrança de prazo. É ato de quem se entende titular do bem, não de terceiros. A absoluta despreocupação da Sra. Marisa Letícia e do Sr. ex-presidente […] acerca da diferença de preço a ser suportada para aquisição de um apartamento três vezes superior ao originalmente negociado, em cujo interior estavam sendo realizadas vultosas reformas, somente aponta em um sentido: não era com recursos pertencentes aos réus que o bem estava sendo adquirido.
Leandro Paulsen, revisor

A vantagem indevida recebida pelo ex-presidente da República não foi constituída pela transferência formal da propriedade, o que efetivamente não houve, mas pela atribuição, a ele, no plano dos fatos, de prerrogativas próprias de quem é proprietário, o que se deu quando o imóvel foi excluído da comercialização com outras pessoas e se ensejou ao ex-presidente que determinasse a realização de obras.
Leandro Paulsen, revisor

Não é crível – além de negado por Léo Pinheiro e outros envolvidos – que a construtora canalizasse tantos recursos apenas como forma de tornar o negócio mais atrativo. Os gastos extrapolam inclusive o próprio valor de mercado do bem. Não se cuida, pois, de reforma decorativa, mas sim com características de personalização para um programa de necessidades específico, com intervenções bastante profundas na planta padrão do imóvel. A instalação de um elevador entre os pisos internos, somente implementado na unidade 164-A, é um claro exemplo de modernização que desborda do padrão mercadológico. […] Há prova acima de dúvida razoável de que o imóvel era destinado ao ex-presidente e sua família, bem como as melhorias e compra de equipamentos foram realizadas em seu benefício.
João Pedro Gebran Neto, relator

 

VALIDADE DE DEPOIMENTOS

É possível aos colaboradores prestarem depoimentos na qualidade de testemunhas, com fulcro no art. 4º, § 12, da Lei nº 12.850/13. Referida disposição diz apenas que o colaborador, ainda que tenha sido beneficiado pelo perdão judicial, poderá ser ouvido em juízo a pedido das partes ou por iniciativa da autoridade policial, mas não diz a que título […]. Assim, uma vez excluídos do polo passivo da ação penal e tendo o dever de falar a verdade em decorrência do acordo firmado, natural que suas oitivas sejam realizadas na condição de testemunhas.
João Pedro Gebran Neto, relator

 

ARGUMENTOS DA DEFESA

Em via oposta, inexistem contra-indícios suficientes e aptos para desmerecer o restante da prova. […] No caso, os contra-indícios são por demais etéreos e incapazes de fragilizar as conclusões a que chegou o magistrado de origem com base no somatório de proeminentes indícios e na boa prova material.
João Pedro Gebran Neto, relator

O depoimento do ex-presidente foi mendaz. Diante da acusação feita contra ele, criou uma versão hipotética que não o comprometesse, mas que está em contradição não apenas com os depoimentos tomados nos autos como com as provas materiais. Lembre-se de que há provas materiais demonstrando que desde antes da adesão formal ao empreendimento já se cogitava do biplex (depois transformado em triplex), que o triplex jamais foi colocado à venda, que há registro de visitas ao ex-presidente, há os projetos de reforma e de móveis sob medida, tudo demonstrando que o triplex foi, sim, admita o senhor ex-presidente ou não, reformado e mobiliado por solicitação dele próprio e da sua esposa, para seu próprio uso. Aliás, essa obra envolveu diversos executivos da empresa, justamente porque se tratava de um apartamento do ex-presidente”
Leandro Paulsen, revisor

 

GRAMPO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA QUE DEFENDE LULA

Não há registro na sentença de utilização de qualquer das interceptações ou mesmo de que tenham alguma utilidade para o presente processo. Tampouco a defesa aponta expressamente qual ou quais seriam as interceptações prejudiciais, limitando sua insurgência ao campo da teoria e da nulidade genérica.
João Pedro Gebran Neto, relator