Ditadura nunca mais: artigo de Célio Heitor Guimarães, publicado no blog do Zé Beto, avalia os primeiros 90 dias do governo de Jair Bolsonaro, marcado por ações políticas confusas, submissão aos interesses dos EUA e uma inusitada ordem para que os quartéis brasileiros comemorassem os 55 anos do golpe militar de 1964
O carro do capitão continua patinando
Célio Heitor Guimarães
Instalado há mais de 90 dias no palácio do Planalto, o capitão Messias ainda não começou a governar. Parece não saber como se faz isso, uma vez que da importância do cargo que ocupa, como já se disse aqui, ele, com certeza, não tem a menor ideia.
Em três meses, o que produziu o novo comandante com a sua “nova maneira de fazer política”? Tirante a liberação da posse de armas de fogo, apenas uma série de asneiras e irresponsabilidades, ditas e feitas por um governo inexpressivo, liderado por um trapalhão – que precisam ser corrigidas de imediato pelos milicos palacianos, que parecem ser os únicos com alguma consciência em um governo totalmente inconsciente. Até o nosso outrora fulgurante Sergio Moro encontra-se oculto em meio à mediocridade.
Depois de jogar no colo do presidente da Câmara dos Deputados uma mal explicada proposta de reforma previdenciária, que ninguém viu ou sabe como será, Bolsonaro embarcou no Força Aérea Um e passou o tempo “estreitando as relações com países amigos”, como os Estados Unidos da América, Chile e Israel.
Na grande potência do norte, a submissão a Trump chegou a vassalagem, ignorando o nosso Messias que o homem do topete amarelo odeia servis e vassalos, respeitando apenas aqueles que o enfrentam. Não obstante, diz-se que, na intimidade, apoiou um possível ataque militar à Venezuela de Maduro. No Chile, embora alertado previamente, não conteve a língua e fez uma exaltação pública ao ditador Pinochet, constrangendo o presidente Piñeda e irritando o povo chileno.
Em Israel, ciceroneado pessoalmente por Benjamin Netanyahu, orou no Muro das Lamentações, visitou o Santo Sepulcro e homenageou as vítimas do Holocausto, sem saber bem o que isso significou, já que repetiu a idiotice proclamada pelo chanceler Ernesto Araújo, de que o nazismo foi um movimento de esquerda.
Mas o pior de tudo Bolsonaro deixou aqui no Brasil antes de embarcar: a ordem para que os quartéis brasileiros comemorassem, no dia 31 de março, os 55 anos da ditadura militar de 1964.
Ora, eminente presidente. Quando o general Mourão (o outro) precipitou o golpe às autoridades constituídas, à democracia, à liberdade e ao estado de direito, que prendeu, torturou e assassinou milhares de brasileiros, v. exª. tinha apenas nove anos de idade e sabia muito pouco o que estava acontecendo. Ao que parece, tampouco soube nos 21 anos que se seguiram. Por isso, faço questão de informá-lo: a quartelada – que se iniciou em 1º de abril e não em 31 de março, como querem os fardados – de 1964 representa um dos mais trágicos e lamentáveis episódios da história do Brasil, que o próprios militares de hoje preferem esquecer.
Por isso, “comemorar” ou “rememorar” a data só poderia ser coisa insensata de v. exª., alheio que é ao pensamento e aos anseios da população. Ninguém ou muitíssimo poucas pessoas têm saudade de 1964 e dos 21 anos seguintes. Só não se esquecem deles para que nunca mais se repitam.
Então, prezado capitão, ou v. exª. entra nos eixos e começa governar de uma vez ou seremos obrigados a repetir-lhe aquele conselho dado de viva voz, na Câmara, pela deputada federal Tabata Amaral, de apenas 25 anos, nascida na periferia de São Paulo, filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista, ao vosso infeliz ministro da Educação:
– Se não tem condições, saia do cargo!
Célio Heitor Guimarães é jornalista e assessor jurídico aposentado.