O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo pressupõe a manutenção da equivalência material entre o preço avençado e a contraprestação contratada durante toda a execução, encontrando previsão no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e na Lei nº 8.666/93.
Em se tratando da recomposição do equilíbrio, Maria Sylvia Zanella di Pietro 1 informa que, partindo do particular, a recomposição da equação econômica pode ocorrer nas hipóteses de força maior, álea administrativa e álea econômica. A álea administrativa engloba o poder de alteração unilateral do contrato pelo Estado, o “fato do príncipe”, que corresponde às medidas tomadas pela administração no uso de seu poder de império, e o “fato da administração”, que constitui ação ou omissão do Estado que incida diretamente sobre o contrato. A álea econômica, que assegura o direito ao reequilíbrio, corresponde às circunstâncias externas ao contrato, excepcionais, imprevisíveis.
Também pode ensejar o reequilíbrio a ocorrência de fatos previsíveis ou de efeitos previsíveis que dão azo à repactuação e à revisão, esta normalmente se faz por índices pré-estabelecidos.
A Lei de Licitações não prevê que o reequilíbrio deva favorecer unicamente o particular, embora seja esta a primeira interpretação que se faz do instituto, visto como ferramenta para proteger os interesses deste e frear a atuação do poder público, detentor de prerrogativas contratuais, bem como guarnecer esse mesmo particular dos efeitos de medidas de impacto econômico alheias à avença, ou mesmo de situações imprevistas ou imprevisíveis.
Ocorre que o reequilíbrio também deve acobertar a administração quando da ocorrência de fatos imprevisíveis ou imprevistos que alterem a equação em seu desfavor, posto que o contrato administrativo se desequilibra quando o lucro pretendido pelo particular é excessivamente minorado, assim como quando é excessivamente e injustificadamente aumentado às custas do poder público, indo de encontro ao interesse público.
A doutrina distingue o interesse público primário do interesse público secundário. O interesse público primário reflete o interesse do conjunto social, a resultante da somatória dos interesses individuais. Consoante expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello, é a “dimensão pública dos interesses individuais” 2. O interesse público secundário, por sua vez, reflete os interesses do aparelho estatal, do Estado como pessoa jurídica dotado de interesses próprios.
Mesmo o interesse privado da administração, interesse público secundário, não pode ser ignorado, uma vez que os recursos administrados pelo aparelho estatal são públicos e não podem ser desperdiçados. Logo, a administração, ao deparar com uma situação em que a equação econômica se desequilibre em seu desfavor, não pode quedar-e inerte.
Di Pietro ressalva que, “nos contratos administrativos e nos contratos em geral de que participa a administração, não existe a mesma autonomia da vontade do lado da administração pública; ela tem que buscar sempre que possível a equivalência material, já que não tem a livre disponibilidade do interesse público.” 3
Paulo Moreno Carvalho e Perpétua Leal Ivo Valadão, Procuradores do Estado da Bahia, sustentaram, em artigo publicado na Revista da PGE (jan./dez. 2000) que “a experiência na observação tem demonstrado a possibilidade de que o Estado, legitima-mente, possa buscar a redução do preço. Justifica-se tal situação, sobremodo, quando se verifique a efetiva redução dos custos que compõem o preço ou quando haja deflação, ou ainda quando exista descompasso entre a contraprestação paga e os preços praticados no mercado” (grifo nosso).
A manutenção de condições que se tornaram desfavoráveis ao erário em razão da efetiva redução dos custos que compõem o preço, da deflação, ou mesmo pelo descompasso entre a contraprestação paga e os preços praticados no mercado vai de encontro ao interesse público.
Um contrato excessivamente oneroso para a administração acaba por desfalcar o patrimônio público, de modo que, evidenciado o desequilíbrio em desfavor da administração, deve esta buscar a revisão do contrato em atenção aos princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da eficiência.
Não se olvide que todos os princípios consagrados na Constituição possuem alcance jurídico e compartilham da normatividade própria da Lei Fundamental. O professor Marçal Justen Filho sustenta que, “havendo deflação ou redução de custos, aplicar-se-ão os mesmos princípios e postulados em favor da administração. Deverá promover-se a redução dos preços para assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação”. 4
Neste sentido já decidiu o Tribunal de Contas da União, conforme voto do Ministro Valmir Campelo (Acórdão nº 1.165/2005. TCU-Plenário):
“43. Conforme DI PIETRO (Direito Administrativo, 16. ed. Ed.Atlas), a prerrogativa de modificação unilateral dos contratos com a intenção de melhor adequá-lo às finalidades do interesse público obriga a administração a restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial. ‘Essa prerrogativa da administração faz com que o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo seja essencialmente dinâmico, ao contrário do que ocorre nos contratos de direito privado, em que o equilíbrio é estático. […] No contrato entre particulares, a alteração não consentida por ambas as partes caracteriza inadimplemento contratual pelo qual responde o particular; no contrato administrativo, esse inadimplemento só ocorre se a alteração decorrer de ato do particular, hipótese em que ele arcará com todas as conseqüências legais.’
44. Assim como ocorre a repactuação do contrato quando há um desequilíbrio a favor do particular, por analogia, há a necessidade de modificação do instrumento contratual no caso de favorecer a administração. Ainda segundo JUSTEN FILHO (op.cit.), quando ocorrer o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, ‘deverá examinar-se a situação originária (à época da apresentação das propostas) e a posterior. Verificar-se-á se a relação original entre encargos e remuneração foi afetada. Em caso positivo, deverá alterar-se a remuneração do contratado proporcionalmente à modificação dos encargos.’ Continua o autor explanando o tema, esclarecendo que, ‘havendo deflação ou redução de custos, aplicar-se-ão os mesmos princípios e postulados em favor da Administração. Deverá promover-se a redução dos preços para assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação’.
[…]
47. Essa alteração nos custos dos insumos realmente deve ser computada como diminuição no preço e ser realizada a repactuação para refletir essa alteração. Há uma obrigação por parte da administração em verificar os custos dos serviços fornecidos e, caso seja significativamente menor o valor de algum serviço, em desacordo com o estabelecido no contrato, deverá demandar a repactuação do contrato conforme o decréscimo correspondente. Como já visto, foi responsabilizado o gestor do contrato por não ter exigido a devida repactuação.
48. Portanto, depois de assinado o contrato, qualquer modificação que altere o equilíbrio econômico-financeiro da avença deve ser prontamente analisada e uma imediata repactuação deve ocorrer. Isso deve ser seguido por ambos os lados atinentes ao celebrado. Por isso, a alegação de que itens de produtos derivados do petróleo e de cimento tiveram aumentos muito maiores que os índices de reajuste acordados pode gerar a necessidade de repactuação do contrato, desde que haja a apresentação de documentação ao órgão para que fique demonstrado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.”
Entendimento constante também do Acórdão 297/2005, do Plenário da referida Corte de Contas.
“Observe o disposto na Lei 8.666/1993, evitando o aditamento de contratos com base em evento não previsto na referida Lei (art. 65), lembrando que as alterações contratuais podem ocorrer, dentre outros motivos, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsí-veis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, e que qualquer superveniência de fatos, tributários e/ou legais, de comprova-da repercussão nos preços contratados, poderá implicar a revisão dos contratos, para mais ou para menos, consoante inciso II, alínea ‘d’, c/c § 5º do artigo. 65 da mencionada Lei.”
A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – Infraero, empresa pública nacional, constituída nos termos da Lei nº 5.862, de 12 de dezembro de 1972, vinculada ao Ministério da Defesa, já consolidou esse entendimento, tendo, de forma louvável, previsto em regulamento que “a repactuação ou revisão poderá ensejar a redução ou majoração do valor do contrato. … A Infraero poderá também propor a repactuação ou revisão de preços à contratada, desde que se faça necessário recompor a equação do contrato em favor da administração, para adequá-lo às reais condições ajustadas inicialmente (dispositivos 24.7 e 24.9 da NI – 6.01/D (LCT) aprovada em 13/jul/2007)”. Considerando que o ordenamento não veda a recomposição da equivalência material entre prestação e contraprestação em favor da administração pública, e considerando que esta não tem a livre disponibilidade do interesse público, conclui-se que o poder público tem o dever de buscar a recomposição do equilíbrio econômico dos contratos em que figure como parte.
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed., São Paulo : Atlas, 2004, p. 264.
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed., São Paulo : Malheiros, p. 50.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed., São Paulo : Atlas, 2004, p. 263.
4 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10. ed. São Paulo : Dialética, 2004, p. 536.