O Brasil é o único país da América Latina que não fez a sua justiça de transição, isto é, não julgou os crimes cometidas pela ditadura militar e não revogou a lei da autoanistia editada pelo regime. Uma verdadeira transição democrática deveria ter renovado todos os membros das instituições, reeleito e preenchido todos os cargos com uma nova leva democrática, em todos os poderes. Incluindo nisso o Supremo Tribunal Federal e todas as cúpulas do Poder Judiciário, inclusive nas universidades que, em certa medida, abrigaram pensadores favoráveis à ditadura.

Passados 36 anos da Constituição de 1988, os novos golpistas estão gradativamente sendo presos, sendo que a maioria dos militares são parentes de golpistas antigos, seus netos, sobrinhos e filhos daqueles que se beneficiaram com o regime de exceção e nunca foram punidos. Ou até aqueles que participaram diretamente do regime, como por exemplo o general Heleno, quando era capitão e integrava o gabinete do ministro Sílvio Frota no governo Geisel, que tentou enfrentar e impedir o projeto de abertura política em 1977.

Há uma endogamia do golpismo, isto é, desenvolve-se dentro das famílias, assim como os agrupamentos de políticos, que ensinam seus filhos, netos, sobrinhos, primos etc. a receita e o sabor do poder. Em resumo, se nunca forem punidos, continuarão a tramar contra a República.

A cidade de São Paulo é tradicionalmente eleitora de personagens afeitos à corrupção – Ademar de Barros e Paulo Maluf ,dentre outros –, e ao discurso autoritário, e agora terá que passar a limpo os nomes de ruas, avenidas e logradouros públicos. O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma decisão provisória que obriga aquele município a renomear espaços e equipamentos públicos que homenageiam datas referentes à ditadura militar e agentes que, durante o período, violaram direitos humanos.

De acordo com a decisão, a prefeitura tem sessenta dias para apresentar um cronograma que direciona as mudanças (Correio Braziliense).

A decisão da 3ª Vara de Fazenda Pública é proveniente de ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União e pelo Instituto Vladimir Herzorg.

No documento, as instituições listaram endereços cujos nomes homenageiam agentes do regime militar que comandou o Brasil entre 1964 e 1985, bem como um que faz referência à própria data em que o golpe foi instaurado. Alguns exemplos: a avenida Presidente Castello Branco, que reverencia um dos líderes do golpe de 64 e governante do país durante os primeiros anos da ditadura, e a Ponte das Bandeiras senador Romeu Tuma, que remete ao diretor-geral do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão de repressão durante o regime.

O Ministério da Justiça Espanhol, que fez a sua lição de casa, em 2019, por meio da Direção Geral de Memória Histórica, solicitou a 656 cidades espanholas que eliminassem os vestígios do franquismo que ainda possam ficar nos espaços públicos de seus respectivos municípios. Passou da hora de lavar a roupa suja do golpismo na história brasileira e, em decorrência disto, retirar as homenagens conferidas a esses personagens; em monumentos, bustos, praças, comendas, títulos, homenagens universitárias, ruas, avenidas e logradouros públicos.

Quem mais dará o exemplo?

 

Cláudio Henrique de Castro é advogado e professor de Direito.