A panificadora beira-mar em Piçarras tinha uma estante com uns 40 livros. Os clientes poderiam ler durante o café. Gentileza urbana, mas sem muito sucesso de público.

Fucei e achei uma raridade. O Rei da Terra, de Dalton Trevisan, meu vizinho de bairro em Curitiba e maior contista brasileiro. Edição de 1972 da Civilização Brasileira, exemplar 2086, volume 164 da Coleção Vera Cruz de literatura brasileira. Velho e amarelecido, com o nome Sueli de Fátima Chaves da Silva escrito à mão na página de rosto. Edição impressa na Gráfica Borsoi, Benfica, Estado da Guanabara. O exemplar tinha uma etiqueta da Livraria Osório, no Centro de Curitiba. Esse livro tinha que ser meu.

Falei para a atendente que queria comprar O Rei da Terra, ela disse que não vendiam, era para os clientes lerem. Insisti e ela respondeu que teria que consultar a proprietária. Nos dois dias seguintes passei lá perguntando do livro, não tinham conseguido falar com a dona. Ofereci dois livros novos em troca, falei que para eles era um bom negócio. A proprietária teria que autorizar.

Mesma resposta no terceiro dia. Ainda ficaria mais quatro dias na praia, mas tinha medo que o livro desaparecesse. Tive que agir.

No dia seguinte, entrei na panificadora com um livro na mão e o usei para acenar para a atendente. Pedi café, sentei perto da estante e comecei a ler. Numa distração dos funcionários, fui rápido na troca. Deixei meu livro novo na estante, que não lembro qual era, e peguei O Rei da Terra.

Terminei o café, paguei e na saída acenei com o livro trocado, mostrando a contracapa para a atendente. Sempre dou para alguém os livros que termino. O Rei da Terra, não. Será minha lembrança eterna do Vampiro.

 

Em memória de Dalton Jérson Trevisan, o maior contista brasileiro (14/6/1925 – 9/12/2024).