O assunto fingia dormir no Congresso Nacional. A chamada “Bancada do Jogo”, no entanto, sempre esteve viva e alerta, à espera do momento oportuno para voltar à ativa. Parece ser agora.

Por 14 votos contra 12 – como vimos em texto de Elio Gaspari publicado aqui no Zé Beto –, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos, do jogo de bicho, de bingos e outros tipos de jogos de azar neste Brasil varonil, sempre aberto a arapucas mil. Como já passou pela Câmara, basta que o plenário de senadores o acate para que o projeto vá à sanção de Lula.

Luiz Inácio foi o autor da medida que proibiu o funcionamento de bingos, caça-níqueis e outras apostas no país. Agora, porém, já anunciou que, se o projeto chegar-lhe às mãos, não terá dúvida em sancioná-lo.

As facções criminosas estão exultantes. Já controlam boa parte das atividades nas grandes (e também pequenas) cidades, como o tráfico de drogas, tráfico de armas, mercado de apostas, prestação de serviços, postos de gasolina, aluguel de moradias…

Num país em que o crime organizado avança a olhos vistos, com a incompetência e/ou omissão das ditas autoridades públicas, o restabelecimento oficial da jogatina é – como diz Elio Gaspari – no mínimo “uma temeridade”.

Justificá-lo em nome do turismo e do recolhimento de impostos é um argumento falacioso e cínico, tanto quanto o de que, mesmo sendo ilegal, o jogo existe – escreve Elio, concluindo, com absoluta razão: “Até agora, todas as brechas abertas para o jogo resultaram em expansão do crime”. Tivessem razão os defensores da liberação do jogatina, melhor seria legalizar o tráfico de drogas, cuja demanda seria muitíssimo maior e geraria muito mais recursos.

Pessoalmente, como já disse e repeti aqui, sou contra qualquer tipo de jogo ou de aposta. Pelos efeitos e dependência que causam.

A minha ojeriza pelo jogo não resulta de nenhum drama pessoal. Jamais perdi um tostão em jogos de azar. Seja na loteria ou na sena oficializada. Razão: nunca joguei. E estou plenamente feliz por não formar no batalhão dos infelizes que todas as semanas aguardam a grande vitória que nunca virá.

De todo modo, a oposição ao jogo, de minha parte, não tem conotação moral ou religiosa. Conheço muito bem os perversos efeitos da jogatina. Sou capaz de recitá-los de cor. Da simples inimizade entre amigos fraternos ao corpo de um suicida estendido no chão, passando pela ganância, pelo desespero e pela loucura.

Sei de uma tradicional família curitibana, cujos membros eram obrigados a buscar a matriarca nas madrugadas dos bingos de então e, certo dia, os filhos receberam uma conta que os obrigou a desfazerem-se de seus carros para quitar a dívida da mãe. Tenho também amigos que perderam, em uma mesa de pôquer, tudo o que haviam conseguido amealhar em uma vida inteira de trabalho. Outro perdeu o apartamento em que vivia com a família em uma única rodada de cartas.

Mas não é uma questão de puritanismo. Ainda que seja sabido que, por trás do jogo, esconde-se o crime organizado, a lavagem de dinheiro, a sonegação e a exploração de incautos, para dizer o mínimo.

Escuta aqui, ó companheiro presidente. Em vez de ficar dando ouvido aos oportunistas que o cercam, aos trambiqueiros e aos exploradores da ignorância popular, ouça quem sabe das coisas. O Ministério Público, por exemplo. Ou as associações de jogadores compulsivos. Elas existem em todo o país. Ficará, então, sabendo, se ainda não sabe, que o jogo não é uma questão moral, mas eminentemente social.

 

Célio Heitor Guimarães é jornalista e consultor jurídico aposentado.